sexta-feira, 22 de abril de 2011

História, histórias e estórias

(Passemos adiante dos pré-socráticos – incluindo Sócrates –; pré-socráticos onde se encontra tudo – dir-se-ia: o núcleo, o manto e a crustra – tudo, tudo...)
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DATA 1 – Século V a. C. – Século IV a. C. –
Demócrito concebe o átomo, não sem deixar de estar presente nesta concepção um certo paralelismo euclidiano da Harmonia – o mesmo que dizer: “adequar-se”, “adaptar-se”, “conformar-se”.
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DATA 2 – Século I a. C –
Lucrécio, baseado em Epicuro, introduz, na precedente concepção atómica, o clinamen, como forma de não descurar a Eris – que é o mesmo que dizer: o oblíquo conflito, a salutar emulação, a salutar agressividade – dir-se-iam: Motores Universais.
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DATA 3 – Entre 20 e 30 d. C –
Jesus diz: “... a César o que é de César”, favorecendo e incrementando a coalizão dos padres e dos capitalistas, promovendo a faustosa costeleta no prato do padre na mesa dos senhores, no dia do Senhor.
Jesus também diz: “...perdoai-lhes, pois eles não sabem o que fazem”. Corresponde a uma Senda que já vinha de Sócrates (o vício como derivado da ignorância) e que virá a formular-se, filosoficamente, milénio e meio (mais coisa menos coisa) depois, com Espinosa.
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DATA 4 – Século I d. C (final deste século) –
São Paulo prega Jesus na cruz pelos nossos – pelos de todos nós – pecados. Funda, assim, o cristianismo – isto é, etimologicamente, o cretinismo.
O cretinismo torna-se cosmopolita, recobre o planeta Terra: “Crescei e multiplicai-vos”.
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DATA 5 – Meados do Século XVII d. C. –
Espinosa diz algo como isto: “Tu não foste livre de teres dado essa piscadela de olhos mesmo agora – sabes lá porquê! Tu não foste livre de teres relançado o teu olhar para aquele lado mesmo agora – sabes lá porquê! Nem eu sou livre – ou melhor: eu não poderia ser livre de proferir estas palavras mesmo agora. Para bom entendedor: o dito ‘livre-arbítrio’ foi um conceito inventado por um sórdido elemento, da horda primeva, com alma de carrasco”.
Espinosa acrescenta: “Esse poio de merda que arreaste mesmo agora – isso: não será também isso Deus?”.
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DATA 6 – Cerca de 1850 / 1880 d. C –
Karl Marx escreve: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, é preciso formar as circunstâncias humanamente”.
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DATA 7 – Cerca de 1885 d. C. –
Nietzsche escreve: “Temos sempre de defender os fortes dos fracos”.
Nietzsche também escreve: “Oportunidades iguais para os iguais; oportunidades desiguais para os desiguais – que tal esta equidade?”.
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DATA 8 – Ano 1945 d. C. –
Numa lista do clímax d’O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, lê-se: “Todos os animais são iguais, mas há alguns que são mais iguais do que os outros”.
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DATA 9 – Cerca da década de 90 do Século XX d. C. –
Agustina Bessa-Luís afirma: “José Saramago é um produto das circunstâncias”.
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DATA 10 – Poucas semanas ou talvez um mês depois –
José Saramago propõe o nome de Agustina para um prestigiante prémio literário.
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DATA 11 – Poucas semanas ou talvez um mês depois – ainda na década de 90, Século XX, d. C. –
Agustina Bessa-Luís, ainda na sequência desta discussão, responde: “Pelos vistos, tenho de mudar de política”.
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DATA 12 – Por volta da passagem do 2º milénio d. C. –
José Saramago propõe – mais ou menos com estas palavras – a seguinte hipótese: “Quando morrer o último homem existente no Universo – isto é: quando a espécie humana se extinguir em absoluto –, então acabará, com esse homem, a ideia de Deus”.
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DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
É deliberada, por unânime plebiscito e em pleno consensus universalis, a radical abolição do dinheiro, a absoluta supressão do capital (recicla-se o papel das notas para cadernos, por exemplo, e o metal das moedas funde-se para, por exemplo, dar origem a partes metálicas de aviões). Não se dá o “igual para todos”, não se dá o “todos com as mesmas coisas, não se dá a “divisão ou partilha, de bens e recursos, igualitária”. Não. É muito diferente. Os recursos naturais já estão de tal maneira optimizados que já só há abundância, abundância, abundância... É dizer: tudo sobeja para todos, tudo sobra, sobra sempre. É até abolido o trabalho, a cargo dos humanóides robots – necessariamente, segundo Roger Penrose, desalmados e insensíveis, sem que, porventura, patenteiem um amável antropomorfismo, mas sem que lhes aflore, a um coração ou a uma consciência de que são destituídos, algum ressentimento ou despeito por não passarem de úteis servos dos terráqueos que somos –. Por outro lado, nenhum humano será impedido de trabalhar, se assim o entender.
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AINDA A DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
Estando os trabalhos constrangedores a cargo dos humanóides robots (ou a cargo dos humanos que de livre e espontânea vontade os quiserem praticar), resta à demais humanidade – talvez uma esmagadora maioria –; resta-lhes tornarem-se filósofos, artistas ou investigadores científicos – e só o fazem quando muito bem lhes apetece –.
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AINDA A DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
Efectua-se clinicamente o desmantelamento de seja que religião existir. Efectua-se o esclarecimento – por meio de espirituosos diálogos, por sua vez, por meio de filósofos-médicos calmos e pacientes –; efectua-se a “desevangelização” dos crentes, efectua-se a Libertação dessa terrível e fatal patologia que os possui.
Nem sequer se exclui desta razia sem gota de sangue – desta razia das religiões, dos padres, dos papas, dos beatos, das beatas, dos “sobrenaturais”, dos “Aléns”, dos alienados, destes tumores malignos – cancros – da epiderme do planeta (e, se for preciso extirpá-los de catacumbas...); – não se exclui desta razia nem sequer o budismo. Budismo que parece, também ele, querer descartar-se que, também ele, é uma religião. Na realidade, devemos admitir que o budismo é um estádio niilista mais avançado que o niilismo cristão, um estádio mais serôdio – é para onde a Europa, é para onde o Ocidente, caminham.
Mas nós não queremos eliminar nem o desejo nem a obliquidade agressiva da Eris. Nós dizemos: “Desejo”; nós dizemos: “Estrela”; nós dizemos: “Acontecimento”. A hipótese de Saramago estava errada: os humanos sobrevivem, mas Deus, antes, desapare_Céu.
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domingo, 17 de abril de 2011

Alexandre Teixeira Mendes sobre Téssera-reVerso (o projecto original d'O Imenschurável)

DA IN CONSISTÊNCIA E DO ALOGON

Se a matemática é consistente, então ela é incompleta”, Kurt Godel

Dois anos apenas se escoaram desde o aparecimento do primeiro livro de Jorge Taxa – Heurética (Incomunidade, Porto, 2006) – onde se assistiu a uma (re)aproximação à literatura lógico-matemática. Os seus escritos adquirem valor de referência, dado que a sua própria pesquisa nos conduz aos confins das questões relacionadas com a grandeza e os limites do pensamento matemático, a literatura, a arquitectura, a filosofia. Insistamos, ainda um pouco, nas incursões matemáticas sob o prisma da lógica, da metalógica – primacialmente as suas orientações especulativas em torno do geometrismo e do algebrismo –. Nada menos. Um teorema geométrico não é, em geral, um enunciado óbvio. Os teoremas requerem, por conseguinte, uma explicação, porque o seu enunciado não põe de manifesto a sua “razão de ser”, como diria Schopenhauer. Chegamos assim, posto que rapidamente, à noção de que os postulados da geometria ordenada não reconhecem mais do que dois conceitos primitivos: ponto e intermediação.

Dissertações neo-pagãs?

Quando Jorge Taxa me propôs escrever um comentário exaustivo ao seu livro-manuscrito PARA LÁ DE Z – Téssera reVerso – uma espécie de balanço programa de uma vida filosófica – como contra leitura especulativa (heurística em stricto sensu) do objecto artístico arquitectural, os itens ou alíneas – cruciais e menos assimiláveis – da geometria analítica e o circum-mundo da arte-desenho figurativo –, pareceu-me difícil de levar adiante a redacção prévia. E a dificuldade parecia-me redobrada, uma vez que sendo seu amigo fui testemunha da condensação escritural (exposição sintética avant la lettre) destas páginas – apreendidas como dissertações neo-pagãs (enquanto forma exaustiva de exercícios circulares): um caso-limite.

Filosofia que vem

A amizade, segundo Bataille, participa da operação soberana, e reenvia-nos à leitura. Ora, lendo Jorge Taxa, lendo esse texto nodal, confrontamo-nos com um trabalho de análise, na exigência lógica. E onde as suas citações são as marcas de quem escreve, de suas escolhas, de suas viagens por outros textos/veredas. Um texto mágico de incorporações – sedimentado de peripécias linguísticas e geométricas, desenhos e teses sobre a arquitectura, a beleza e o rito – que nos familiariza com “a revelação pela matemática; a descoberta, pela invenção” (p.134). O agenciamento – o efeito da obra de Deleuze (e Guattari) Anti-édipo e Mille Plateaux – permite-nos compreender melhor o procedimento de Jorge Taxa e as suas consequências. Aqui se concebe a primazia do pensar, imaginar e sentir. E onde as progressões aritméticas e geométricas têm um lugar bem definido, um lugar de reconhecimento. Trata-se de privilegiar uma filosofia como “disciplina criadora” de conceitos. Onde se insiste sobretudo nas indeterminações do pensamento e em dois blocos: 1) (fenómeno)lógico e 2) analítico.

Pulverização

Este “franco-atirador” das letras é conhecido pelo desempenho de várias actividades. O presente conjunto de artigos, de que falamos, parece patentear a suficiência e a peremptória segurança. Dir-se-á, talvez, que a transparência e a opacidade surgem conectados nesta escrita (a)típica que estamos examinando, plena de postulados, collages, labirínticos raciocínios, associações e aforismos. Assiste-se, em escala imprevista, também neste caso, a uma espécie de pulverização dos assuntos, onde se delineiam as repetições e as redundâncias (ad infinitum). Mas, a rigor, na intersecção das codificações figurativas e semióticas específicas. Demos que assim seja. Será que – na precisão filosófica da sua forma lapidar – o racionalismo epistemológico não faz senão rejeitar o indemonstrável?

(Incom)possibilidades

O rigor e espectro especulativo destes textos permitem pontuar algumas precisões. Trata-se, então, de um conjunto de “anotações” que partilham (num nível operante) alguns dos temas da lógica do significante (que dá a partida a qualquer pensamento, mesmo à lógica formal). O nome que se dá à lógica do significante é sutura. O surpreendente é a sua abertura a conceitos como o livre, incalculável, imprevisível, “o que vem”. Repare-se ainda a valorização, para perceber a atitude, das noções de acontecimento, síntese disjuntiva, bifurcações, divergências, (incom)possibilidades e (des)acordos. CAOSMOS.

Trans disciplinar

Julgamos que o argumento central deste livro se encontra relacionado à arquitectura (tido como o modelo trans disciplinar mais antigo do planeta). Que não exclui, segundo cremos, tudo o que se reporta ao espaço arquitectónico (nomeadamente no tocante à cultura e ao environment). Mas este campo, que designámos como arquitectura e urbanismo, conexiona-se, também, de uma forma estreita, com o tempo, observando-se como que um elemento essencial da condição do sagrado. Interesse que, obviamente, não pode ser desligado, diremos, das disciplinas lógico-matemáticas. Aparentemente, a lógica tradicional, pré-matemática ou pré-logística, permaneceu invariável no decorrer da história. Sua parte nuclear – a teoria do silogismo – praticamente não mudou. É preciso assinalar, contudo, que a tão decantada imutabilidade, referida por Aristóteles, se mostra ilusória. O teorema de Godel, que nos fez deduzir que não há sistema de axiomas, no sentido usual, que seja completo, é incontornável.

Melting Pot

Jorge Taxa pode ser considerado um liame subterrâneo entre Carnap e Heidegger, que cortam a filosofia em dois, o positivismo lógico e “a ontologia” poética. Aqui se restaura a ênfase na linguagem enquanto fenómeno que se estende desde a articulação matemática até à composição poética, como seus dois pólos extremos. Na sua diligência de busca e procura errática – remetendo-nos a uma espécie de melting pot – Jorge Taxa não hesita em recorrer a O único e a Sua Propriedade, de Max Stirner, e a Assim Falava Zaratustra, de Nietzsche, além de, evidentemente, a textos de Gilles Deleuze e de Felix Guattari, de Bergson, de Buckminster Fuller, de Zenão, o Eleata, de Eubulides de Mileto ou de Kurt Godel –, fá-lo com absoluta propriedade. As teorias e modelos matemáticos têm aqui ascendência, mesmo quando sobressai destas incursões a abordagem do belo (o seu “constructo” histórico). Jorge Taxa não deixa de evocar o “estranhamento poético”. – O belo – concebido ou raciocinado – a partir do intraduzível e do caótico-desintegrado? –. Será mesmo possível reconhecer, então, esquematicamente, que a beleza deve ser tomada como um critério relevante, como assinalou Paul Dirac, na própria montagem de uma teoria da física?

Do intempestivo

Susan Sontag assinalava em Under The Sign Of Saturne – referindo-se ao sociólogo visionário Paul Goodman – o terrível e mesquinho ressentimento para com os escritores que tentaram fazer muitas coisas. Jorge Taxa pode ser considerado um pensador das aventuras e vertigens especulativas, um explorador intempestivo, que – mesmo de maneira fragmentária – reconduz-nos ao questionar, inclusive o pensamento, e não se deixa classificar. Revela-se, portanto, um cultor da lógica-matemática, de acordo com um certo ideal metódico. Mesmo se, como hoje sabemos, em especial, que não pode haver garantia absoluta da legitimidade dos sistemas de lógica não elementar, o perigo da inconsistência não se pode afastar. Reconhecendo a “chave” da indecidibilidade de Kurt Godel – a “complexidade relativa” – a não previsibilidade?

Disseminação

Chesterton comentou uma vez que é possível achar verdade com lógica somente se já se tiver achado a verdade sem ela. Jorge Taxa parece ter tornado visível o seu “engajamento” activo com as maneiras pelas quais podemos alguma vez ter boas razões para aceitar crenças, hipóteses e teorias. Poderia dizer-se, para início de reflexão, que, nestes ensaios, se configura a disseminação e a fragmentação. Chegamos assim, posto que rapidamente, à amplitude de uma circum-navegação que une a filosofia da arte e a lógica, a metafísica e a filosofia da matemática. Nesta configuração, Jorge Taxa e toda a sua teorização – tendo como campo as matemáticas – encontra o campo da invenção da lógica. O seu traço próprio seria, então, num dado momento, o da experimentação, do desejo? O retomar das matemáticas, jogo, non-sense, esquizo? Charles Dodgson e Lewis Carrol? O simulacro, a desrazão, o alogon? Ir para lá da cientificidade? Privilegiando os alogismos, os ilogismos, os analogismos?

Filosofia mundo

Nada mais fácil de evidenciar que a sua “implicatura” lógica e a sua prosa de recorte “conceptista”. Não se trata simplesmente de um tipo de uma investigação assente na inter relação racional, ou, como às vezes dizemos, na “citacionalidade” (que se reclama das linguagens em trânsito). A exclusão de uma filosofia como “a guardiã da racionalidade” impõe-se em nome de uma “filosofia-mundo” (assente nas relações trans experienciais ou poéticas). O acento é colocado naquilo que podemos chamar “rizomático”, pois abandona o dualismo e o pensamento linear em favor de associações múltiplas em diferentes níveis semióticos. Ainda que se coloque no plano estrito da linguagem, da semântica e do campo simbólico, a extrapolação é o fundo do comércio do (este) pensamento – que dilucidarei aqui.

Arqui-traço

PARA LÁ DE Z – Téssera reVerso – dividido em seis subpartes – téssera(s) – toca uma modalidade de pensar – diluída numa selecção temática e múltiplas questões pertinentes – que desemboca em “interfaces” e/ou “vasos comunicantes”. Mas, onde se permite constatar que o centro do interesse se deslocou, em boa parte, do tema da concepção molar da matemática (já que uma molécula também é uma mole) para uma matemática por empreender – do devir – que seria atómica; ou, se o quark é a partícula?... Dois tópicos das suas reflexões devem ser aqui destacados: o arqui-traço arquitectural de Siza Vieira patente no Pavilhão Carlos Ramos, num primeiro momento, e, num segundo, o desencadear da (im)possível tarefa de exprimir a “indizibilidade” do único de Max Stirner.

U(a)topia

Em Téssera 1 Pavilhão Carlos Ramos – A Poiesis Como Superação da Dialéctica no Racionalismo – o nosso autor aborda a intrincada questão geométrica e as injunções ideológicas presentes no processo projectual de Siza Vieira, revelando-nos a “estrutura escondida”, o design do próprio meio. Rejeitando a “ditadura” rectangular e paralelepipédica presente na doutrina e na prática actuais aferentes a um campo arquitectónico – algo inalterável –, Jorge Taxa mostra a preferência, reveladora apenas de atitude prévia, a que se pretende conferir categoria de conclusão sólida, núcleo, pelo pentágono, o triângulo, o octaedro, o dodecaedro, o icosaedro, a esfera. O criador da cúpula geodésica, Buckminster Fuller, já havia dito que a base do pensamento lógico lançado pelos babilónios era estruturada no tetraedro, no octaedro e no icosaedro, todos triangularmente facetados, os únicos sistemas estruturais, que se poderia dizer, originais da natureza. Em Téssera 2Falanstério de Zaratustra – deixa-se atrair por um projecto arquitUTÓPICO libertário – humorístico – na subordinação a um código ou forma societária estetizante e fundacional localizado em Sils Maria – na direcção da intensificação da emancipação – na própria versão comunitarista – em que o uso e a troca seriam indistinguíveis. É preciso lembrar que a UTOPIA foi para muitos o não-lugar, o topos inexistente onde se viveria o impossível. Porém, hoje, segundo Paul Virilio, com o cibermundo chega-se à ATOPIA, onde podemos verificar a presença da dissimulação como a única verdade e a irreversibilidade do opaco.

Da subtileza

Nas nossas considerações prévias, vimos como Jorge Taxa se refere a alguns temas da lógica e matemática. Já Frege e Bertrand Russell tinham demonstrado que separar a lógica da matemática é algo de arbitrário (tal não acarreta que a matemática se reduza pura e simplesmente à lógica). Mais exacto será falar de uma “cultura da subtileza” (cuja concepção foi trazida de volta por filósofos analíticos contemporâneos) que ganha, na obra de Jorge Taxa, visibilidade. Numa nota de 1797, por exemplo, Schlegel comenta que “toda a subtileza tende ao niilismo”. Ele próprio nos dá testemunho da subtileza algo melancólica e compulsiva – entre o dizível e o indizível – favorecendo uma linguagem fragmentária que aparece recorrentemente. Situando-se à margem das duas culturas filosóficas rivais que tendem a sublinhar – em sentido largo – o carácter cognitivo e o carácter estético ou estilístico, Jorge Taxa plasma o seu pensamento no SABER DE e SABER QUE.

Ciênciarte Pensamento

A súmula de razões operativas e paixões próprias dos seus textos reenvia-nos permanentemente à Ciênciarte Pensamento. Ora, não é possível pesquisar tudo ao mesmo tempo e nem todos os campos de conhecimento. Torna-se assim problemática a ciência que, diferentemente da filosofia e da arte, padece da necessidade de delimitar os seus objectos? Sabendo-se que delimitar não é fragmentar e atomizar? Será que o pensamento consequente é o pensamento fundamentado? Uma outra questão – sobre tudo o mais – deve ser enfatizada aqui: o retomar por Jorge Taxa da desconstrução nietzschiana da metanarrativa cristã de justificação do ateísmo. Ora, qual é o objecto formal da fé? Qual o relevo, porém, do que está fora, o a-teo? Dado que o âmago do ateísmo é teológico?

Bricolage(s)?

Os seus textos bricolage(s) desconstroem ideias deparlamentarizadoras estáticas e axiomáticas típicas da cultura literária. Jorge Taxa não se reduz a essa propriedade ambivalente de nos reconduzir por um instante à arte da lógica e de servir ao mesmo tempo à causa da sabedoria dionisíaca exposta em conceitos. Como consequência – mesmo que não seja intencional –, desta postura temos um duplo comprometimento: – com o teorema de Godel, que nos revelou que a matemática não pode ser completa e consistentemente formalizada, para transformar-se em sistema único; e, mais particularmente, com a filosofia da vontade da potência e do eterno Retorno de Nietzsche, onde se assiste ao deslocamento de uma linguagem conceitual a uma linguagem artística, ou, mais precisamente, a uma linguagem poética. Parece-me pertinente falar de um trabalho iluminador e radical, quando se abordam as questões pelo lado da ambivalência característica do género metafórico (literatura, ou a poesia num sentido amplo) e também do género “que diz verdade” (a filosofia ou a ciência). A originalidade de Jorge Taxa está no seu aparato teórico e na sua escrita da órbita excêntrica entre o fluxo e o traçado de uma viagem.

Alexandre Teixeira Mendes, 2008

sábado, 16 de abril de 2011

FANFARRA DO ANTICRISTO

Ipoesia / QUE IMPORTA UM TEMPO / FANFARRA DO ANTICRISTO / 1 Qu’import’um tempo / sem tempo p’ra MIM? / Quase rebento / Ao ver-T’assim / O crucifixo / Junt’ao pescoço... / Mas que prolixo / Sinal de fosso / Cristo anarca, / Delinquente, / Qu’o mundo arca / Dentro a serpente... / Coloco-T’a / Fatal questão: / Confessa-a: / A compaixão / T’arrenego, vai! / E o símbolo – cruel, demente – / Escorrega, cai / Sangu’em Belez'àssaz ardente!... / – Mais um prego, Pai! / Diz Jesus pr’ó seu carrasco…/ Os pecados dai / A S. Paulo e ao seu fiasco… / 2 Cristianismo / Religião / D’alto cinismo / E castração / A TUA crença / Supra-terrena / Tensa doença / Que mete pena! / É qu’o Além / Do sacerdote / Inferno tem / Aqui um lote! / Padre obsceno, / Anti-natura, / Mete veneno / E diz que cura! / Que mentira sai! / A do jovem plebeu / Presunção, achai / Neste Édipo Judeu… / Do mal, as flores / Do Bem, conservadorismo / Livres, os senhores, / A justiça, um arcaísmo / 3 A Irmã Luz / Sem a prioris / Agit’à cruz / No clitóris / Estranha moral / Qual parasita, / Sug’àfinal / O bom da fita / Má-consciência / Ressentimento / Mas que potência / De sofrimento / É reactiva, / Uma tal força / Fica cativa / Já nem escorça… / Crise de valores… / A vida perdeu o sal / Por que não TE pores / Par’Além de Bem e Mal / Relatividade / É a essência dos valores / No campo e na cidade / No país pr'a onde fores / 4 Que negativo, / Este devir / Pr’a MIM que vivo / Pr’ò qu’há-de vir / Devir eterno, / Retorno vário, / Algo alterno / No MEU fadário / Futuro bom / Presente a dar / Revolução / Sem demorar / Isto já salva / Do dito Além / De testa calva / Podre também / Essa lei moisaica, / Tábu’àssaz normativa / Hoje, bem prosaica; / Outrora, exclusiva… / Tem, pois que finar / O antigo ideal / Transavaliar / Deste modo, – imoral! / 5 Milagres são... / A Terra gira / Real lição / Qu’o douto tira / Ouve o mouco / O’strepitoso / Jesus é louco / Ou mentiroso / Filho de Deus? / Grande mentira! / A olhos MEUS, / Alvo na mira / Esta loucura / De multidões / É regra pura / Em milhões, bilhões... / Ética, Moral, / Dois conceitos bem diversos / Onde Bem e Mal / São, prudentemente, inversos! / Estrelas de mil cores / Deste amigo dos vilões / Dos partos, as dores / Das mortes, ressurreições! / 6 Causalidade / Destes dementes / É a verdade / Pres’à correntes / Pergunto-T’EU / (a ferro quente) / Serei, EU, O ateu? / Ou TU, A crente? / A despedida / Do Anti-Cristo / Vem na medida / Do nunca visto! / Sem o asseio / Nem gratidão, / O Bicho-feio / Fica malsão! / T’arrenego, vai! / E o símbolo – cruel, demente – / Escorrega, cai / Sangu’em Belez'àssaz ardente!... / – Mais um prego, Pai! / Diz Jesus pr’ó seu carrasco… / Os pecados dai / A São Paulo e ao seu fiasco… / 7 Bela fanfarra / Fez já o Cão / A cimitarra / Golpeia, então!

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