sexta-feira, 22 de abril de 2011

História, histórias e estórias

(Passemos adiante dos pré-socráticos – incluindo Sócrates –; pré-socráticos onde se encontra tudo – dir-se-ia: o núcleo, o manto e a crustra – tudo, tudo...)
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DATA 1 – Século V a. C. – Século IV a. C. –
Demócrito concebe o átomo, não sem deixar de estar presente nesta concepção um certo paralelismo euclidiano da Harmonia – o mesmo que dizer: “adequar-se”, “adaptar-se”, “conformar-se”.
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DATA 2 – Século I a. C –
Lucrécio, baseado em Epicuro, introduz, na precedente concepção atómica, o clinamen, como forma de não descurar a Eris – que é o mesmo que dizer: o oblíquo conflito, a salutar emulação, a salutar agressividade – dir-se-iam: Motores Universais.
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DATA 3 – Entre 20 e 30 d. C –
Jesus diz: “... a César o que é de César”, favorecendo e incrementando a coalizão dos padres e dos capitalistas, promovendo a faustosa costeleta no prato do padre na mesa dos senhores, no dia do Senhor.
Jesus também diz: “...perdoai-lhes, pois eles não sabem o que fazem”. Corresponde a uma Senda que já vinha de Sócrates (o vício como derivado da ignorância) e que virá a formular-se, filosoficamente, milénio e meio (mais coisa menos coisa) depois, com Espinosa.
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DATA 4 – Século I d. C (final deste século) –
São Paulo prega Jesus na cruz pelos nossos – pelos de todos nós – pecados. Funda, assim, o cristianismo – isto é, etimologicamente, o cretinismo.
O cretinismo torna-se cosmopolita, recobre o planeta Terra: “Crescei e multiplicai-vos”.
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DATA 5 – Meados do Século XVII d. C. –
Espinosa diz algo como isto: “Tu não foste livre de teres dado essa piscadela de olhos mesmo agora – sabes lá porquê! Tu não foste livre de teres relançado o teu olhar para aquele lado mesmo agora – sabes lá porquê! Nem eu sou livre – ou melhor: eu não poderia ser livre de proferir estas palavras mesmo agora. Para bom entendedor: o dito ‘livre-arbítrio’ foi um conceito inventado por um sórdido elemento, da horda primeva, com alma de carrasco”.
Espinosa acrescenta: “Esse poio de merda que arreaste mesmo agora – isso: não será também isso Deus?”.
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DATA 6 – Cerca de 1850 / 1880 d. C –
Karl Marx escreve: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, é preciso formar as circunstâncias humanamente”.
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DATA 7 – Cerca de 1885 d. C. –
Nietzsche escreve: “Temos sempre de defender os fortes dos fracos”.
Nietzsche também escreve: “Oportunidades iguais para os iguais; oportunidades desiguais para os desiguais – que tal esta equidade?”.
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DATA 8 – Ano 1945 d. C. –
Numa lista do clímax d’O Triunfo dos Porcos, de George Orwell, lê-se: “Todos os animais são iguais, mas há alguns que são mais iguais do que os outros”.
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DATA 9 – Cerca da década de 90 do Século XX d. C. –
Agustina Bessa-Luís afirma: “José Saramago é um produto das circunstâncias”.
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DATA 10 – Poucas semanas ou talvez um mês depois –
José Saramago propõe o nome de Agustina para um prestigiante prémio literário.
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DATA 11 – Poucas semanas ou talvez um mês depois – ainda na década de 90, Século XX, d. C. –
Agustina Bessa-Luís, ainda na sequência desta discussão, responde: “Pelos vistos, tenho de mudar de política”.
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DATA 12 – Por volta da passagem do 2º milénio d. C. –
José Saramago propõe – mais ou menos com estas palavras – a seguinte hipótese: “Quando morrer o último homem existente no Universo – isto é: quando a espécie humana se extinguir em absoluto –, então acabará, com esse homem, a ideia de Deus”.
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DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
É deliberada, por unânime plebiscito e em pleno consensus universalis, a radical abolição do dinheiro, a absoluta supressão do capital (recicla-se o papel das notas para cadernos, por exemplo, e o metal das moedas funde-se para, por exemplo, dar origem a partes metálicas de aviões). Não se dá o “igual para todos”, não se dá o “todos com as mesmas coisas, não se dá a “divisão ou partilha, de bens e recursos, igualitária”. Não. É muito diferente. Os recursos naturais já estão de tal maneira optimizados que já só há abundância, abundância, abundância... É dizer: tudo sobeja para todos, tudo sobra, sobra sempre. É até abolido o trabalho, a cargo dos humanóides robots – necessariamente, segundo Roger Penrose, desalmados e insensíveis, sem que, porventura, patenteiem um amável antropomorfismo, mas sem que lhes aflore, a um coração ou a uma consciência de que são destituídos, algum ressentimento ou despeito por não passarem de úteis servos dos terráqueos que somos –. Por outro lado, nenhum humano será impedido de trabalhar, se assim o entender.
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AINDA A DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
Estando os trabalhos constrangedores a cargo dos humanóides robots (ou a cargo dos humanos que de livre e espontânea vontade os quiserem praticar), resta à demais humanidade – talvez uma esmagadora maioria –; resta-lhes tornarem-se filósofos, artistas ou investigadores científicos – e só o fazem quando muito bem lhes apetece –.
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AINDA A DATA 13 – Ano 2093 d. C. –
Efectua-se clinicamente o desmantelamento de seja que religião existir. Efectua-se o esclarecimento – por meio de espirituosos diálogos, por sua vez, por meio de filósofos-médicos calmos e pacientes –; efectua-se a “desevangelização” dos crentes, efectua-se a Libertação dessa terrível e fatal patologia que os possui.
Nem sequer se exclui desta razia sem gota de sangue – desta razia das religiões, dos padres, dos papas, dos beatos, das beatas, dos “sobrenaturais”, dos “Aléns”, dos alienados, destes tumores malignos – cancros – da epiderme do planeta (e, se for preciso extirpá-los de catacumbas...); – não se exclui desta razia nem sequer o budismo. Budismo que parece, também ele, querer descartar-se que, também ele, é uma religião. Na realidade, devemos admitir que o budismo é um estádio niilista mais avançado que o niilismo cristão, um estádio mais serôdio – é para onde a Europa, é para onde o Ocidente, caminham.
Mas nós não queremos eliminar nem o desejo nem a obliquidade agressiva da Eris. Nós dizemos: “Desejo”; nós dizemos: “Estrela”; nós dizemos: “Acontecimento”. A hipótese de Saramago estava errada: os humanos sobrevivem, mas Deus, antes, desapare_Céu.
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