quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Crítica de Rui Ribeiro a 'O Imenschurável - Téssera Verso'

Este livro de Jorge Taxa está dividido em tésseras, termo este que possui vários sentidos. Pode, por exemplo, ser uma peça de mosaico ou então as placas que eram colocadas aos pescoços dos escravos romanos. Todo o livro é divido nestes itens – tésseras; fazendo lembrar a ideia de concentração de fragmentos, que Walter Benjamin vaticinou como um regresso do barroco. Estas pequenas peças vão-se amontoando, construindo e identificando formas, que são lapidadas por uma atenção incisiva que faz a reunião de elementos simbólicos. Um reconhecimento (symbalon) que depois corre contra o predomínio de formas rectangulares como se de uma loxodromia só prevalecesse o dromos (corrida) abandonando o loxos (oblíqua) na senda de uma filosofia da vontade e de um eterno Retorno do diferente nietzschiano.

A vida está numa forma, numa “casca paralelepipédica”, segundo Jorge Taxa. E que possui a rigidez de uma ditadura... Já em 10 de Janeiro de 1979, numa das suas aulas, Michel Foucault indicaria uma "kehre" (viragem) que encontrara, num apontar nodal para uma alteração de uma postura face às adversidades, a formação de uma imobilização. O "Acheronta movebo" (moverei o Aqueronte) de Virgílio na Eneida foi substituído pelo "Quieta nom Movere" do primeiro-ministro britânico (em exercício durante 1720-1742) Robert Warpole e que, com esta postura do não agitar as águas, conquistaria agrados parlamentares, mantendo a estabilidade do quieto na ocupação do formigueiro. Seria já um indício para o falhanço do Modernismo que se avizinhava. Deixou-se de acreditar numa evolução da humanidade, operando-se uma sucessiva desarticulação dos saberes, pela especialização e proliferação da lógica de cada macaco no seu galho. Postura, esta, que enojaria qualquer moderno mas que, hoje, é tida como norma para evitar a nefasta dispersão. Daí o alimento ser tão insonso e o livre-arbítrio coisa já longinqua.

O falanstério zaratustriano erige-se como uma nova utopia. Baseado em premissas nietzschianas, stinerianas e fourierianas. … proposta uma nova trindade espiritual que emane um antiteísmo e uma visão teleológica explosivamente esférica e arborescente. E, tal como Thomas Morus, Taxa descreve num momento, poético-euréktico: a poiesis, a fisiologia e as fundações e usos da sua utopia. Ciente da expressão “monumento para o futuro” que Deleuze invocava e que seria próprio de uma obra indestinada… intestinada… menor.

O falanstério que Taxa apresenta nas suas páginas tem a pretensão, não sem um capricho de viandante pulsão dionisíaca, de sistematicamente se constituir num Empório possível. Surge-nos como uma visão fantástica a lembrar um Luciano de Samósata ou o Somnium de Kepler. Um falanstério habitável em que o ócio nunca crie o não-ócio (neg-ócio) numa versão optimizada e futurista da oikonomia grega onde um superavit ou abundância é esperada naturalmente como uma gravitação dos fluxos organizativos de uma comunidade salubremente capaz de habitar o falanstério, de ser falansteriana. Que se induza uma forma de estar económica, em-si muito semelhante a uma postura grega de não desejar mais do que se pode ter, de não retirar da natureza um filão extenso que a fere irremediavelmente; o equilíbrio grego da physis, limite que a tekné deverá sempre respeitar. Ou a ideia de involução de Gilles Deleuze de ser mais leve, de saber deixar para trás… O quando de involução tem a evolução!

… Inevitável, com o Falanstério de Zaratustra, tecer comparações à República de Platão; com a sua estrutura organizativa, bem como a alusão às essências platónicas (cinco com o éter) o mesmo número de poliedros regulares conhecidos pela época. Sendo agora nove o mesmo número de dodecaedros que constituem as arestas do estudo-tentativa de um Triacontaedro Rômbico TX de Jorge Taxa (que numa forma simplificada se pode reduzir ao número impar de três) e que visa a formação de novos sólidos capazes de preencher o espaço, uma nova descoberta geométrica, que por peripécia clarividência, se assemelha à velha questão do ovo de Colombo (pp. 43-44). Esta nova geometria seria, na opinião do autor, concordante com novos fenómenos arquitectónicos que influiria numa fenomenologia heterodoxa com bastante espaço para o acaso e para uma anarquia harmoniosa onde o múltiplo e o plural consiga triunfar. Daí também a acérrima crítica ao Pavilhão Carlos Ramos, de Siza Vieira, e ao inalterável das formas rectangulares e paralelepipédicas que fazem escola e difusão.

A capacidade de narrativa e o povoamento de referências de Jorge Taxa, fazem com que crie situações, estique conceitos e explore limites. … esta a sua originalidade e o seu anima – por pertencer a um reduzido número de pessoas que intentam saber cada vez mais para poder criar diferente. O rito no ricto do riso é um exemplo desta sagaz capacidade de jogar, sendo ou não um jogador de esféricas palavras que derrubam mecos. Os seus Desenhos Hidratantes continuam a explorar referências mas trazem também um receituário vivencial com situações quotidianas misturadas com estados de espírito que um desenho intenso e construtivo (às vezes numa forma de propositada sobreposição) nos revela o ambiente onde este autor se de-move.

Rui Ribeiro

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