terça-feira, 1 de novembro de 2011

Crítica de Thomas Jayes a 'O Imenschurável - Téssera Verso'

Crítica a "O Imenschurável" por Jorge Taxa

Introdução

No que diz respeito à crítica artística e à leitura, desde cedo me apercebi que, quando lemos material novo, ou apreciamos um quadro, o objecto artístico não existe isoladamente. Ele é o produto de um tempo, local, cultural de um indivíduo.
Mais importante que isto, contudo, e talvez menos intuitivo, é o facto de esse objecto artístico não poder ser concebido isoladamente. Quando a arte é interpretada, vista, ou lida, o indivíduo que absorve a produção cultural não o pode fazer como uma tábua rasa, uma folha em branco onde o artefacto cultural se reproduza.
Naturalmente que o resultado é o de que assumimos o objecto, e catalogamo-lo nas caixas que já dividem a nossa mente, usando um qualquer “imperativo categórico” pré-construído, e tentamos conciliar a nossa visão do mundo com aquilo que a arte nos quer dizer. Se a mensagem for boa, poderá mesmo levar-nos a mudar essa visão do mundo. A influência do pós-modernismo (suscitado talvez por uma reinterpretação de Nietzsche) foi tal que chegámos ao ponto de hoje em dia questionar a nossa concepção de arte e literatura – quebrámos as barreiras hierárquicas entre a arte popular e erudita, entre géneros literários, entre heróis e vilões nas nossas histórias, entre o leve e o sério.
Tendo isto em mente, permitam-me que lhes descreva o que vejo no “O Imenschurável” da minha peculiar perspectiva – a de alguém que traiu a sua formação na área das artes para se imiscuir no campo das ciências exactas.

Vectores

Na Física, o movimento de uma bola em arco através do ar, mudando de posição com o tempo, parece ser um evento terrivelmente complexo. Para explicar com detalhe este movimento, é necessário um instrumento especial, denominado “decompositor de vectores.” Primeiro divide-se o espaço em eixos x, y e z, e descreve-se a alteração em cada dimensão como função do tempo. Depois, lidando individualmente com cada dimensão, podemos compor aquilo que parece ser uma complexa equação, mas que descreve em perfeito detalhe este evento aparentemente impenetrável.

No seu livro, Jorge Taxa tenta decompor a complexidade da sua experiência e explorações em componentes de vectores. Neste exemplo, os vectores não são posição na direcção x como funções de tempo, mas antes a matemática é função da filosofia, ou a filosofia como função da arquitectura, a religião como função do humanismo, e por aí em diante. O trabalho está dividido em “Tésseras”, cujo significado é explicado no início. Talvez pudéssemos dizer que esta publicação é a 6 dimensões, mas a verdade é que muitas mais vertentes são trazidas à luz ao longo destas páginas. Cada um dos elementos que emerge contém em si mesmo o mesmo nível de profunda complexidade, de algum modo similiar a um padrão fractal de significado. Independentemente do trabalho de Geometria incluído nas páginas deste livro, o produto final, como objecto cultural em si, assemelha-se a um objecto geométrico, que temos que levantar, virar e movimentar nas nossas mãos para sentir o seu âmago.

Semântica

A obra com que nos deparamos é, por auto admissão, uma peça transdisciplinar e multifacetada. Em certos momentos detalha com grande rigor o tema, mas de modo geral o que nos assombra é o seu conteúdo profundo. Por esse motivo, muitos leitores não se sentirão seguros neste terreno em grande parte da obra… o sentimento de “Desterritorialização” (conceito definido por Deleuze & Guattari) é o resultado de terramotos semânticos mas também de ideias e conceitos estáveis que são postos de lado perante a força do argumento.
Desterritorialização foi em tempos o termo utilizado para descrever o esmagamento dos direitos dos camponeses à terra, para a propriedade privada de lordes e barões – e a linguagem em si mesma passou também por um processo semelhante, com o significado das palavras a tornar-se exclusivo das receitas dos redactores de dicionários e gramáticas. Contudo, o pós-modernismo veio partir esta autoridade imposta. O resultado é o de que uma palavra passa a significar aquilo que o autor pretende que ela signifique… ou até aquilo que o crítico vai interpretar como sendo o seu significado. O autor já não possui o “direito de propriedade”, e o sentimento resultante de desterritorialização pode tornar a comunicação difícil, particularmente quando as ideias que são transmitidas são em si mesmas complexas. Lacan defende que a linguagem não é sagrada na sua origem, nem existe uma pedra na qual a linguagem esteja escrita com o seu efeito definitivo. A Torre de Babel está constantemente presente nas nossas vidas. Não nos esqueçamos que, ao publicar, o autor renuncia ao seu direito de propriedade sobre a sua “terra”. Ela agora pertence às pessoas, aos destinatários, que a vão dissecar e interpretar como entenderem. O acto da publicação é comparável ao nascimento de uma criança – o início de uma nova vida.
Esta polissemia – multiplicidade de significados – é uma ferramenta usada pelo autor, Jorge Taxa, mas é também uma inevitável consequência da produção cultural pós-moderna, e requer uma explicação nesta fase de lançamento desta peça. O conceito de peças inter-dependentes (Tésseras), que neste livro substitui o mais ortodoxo uso dos capítulos, denota o facto de que não estamos perante uma publicação convencional com um início, meio e fim. Não é uma história que começa, culmina e acaba, mas antes uma que gira e revolve, evoluindo a cada passo.

Geometria e Progressões

A Geometria, os limites matemáticos e as progressões, que figuram frequentemente nesta publicação, são enormes edifícios cujas pedras basilares foram lançadas por gigantes.
Confesso que para mim, como iniciante no campo da Matemática, este trabalho está para além da minha capacidade de análise. O autor lamenta a falta de reconhecimento das suas descobertas, referindo deparar-se com um 'deserto de incompreensão.' Neste ponto, recordo-me de uma história contada por Friedrich Nietzsche, sobre o espírito e conquistas humanas. Nesta história, Nietzsche equipara a progressão da Humanidade a três animais – um camelo, um leão, e um bebé. O camelo representa a sabedoria herdade da sociedade, deambulando pelos mesmos caminhos, caregando consigo as memórias e sabedoria das gerações passadas. O leão revolta-se contra o camelo – furioso pela sua falta de compreensão e aceitação das novas ideias. Esta raiva furiosa é passageira, contudo. O futuro, defendia Nietzsche, reside no espírito do bebé. Todos nós deveríamos abordar a vida como recém-nascidos espirituais e intelectuais… só assim podemos aceitar as novas ideias por aquilo que realmente são, e usufruir do genuíno prazer da descoberta. Este é o verdadeiro ubermensch, e o início de uma nova geração de conhecimento.
Quando Galileo Galilei estava convencido que tinha provado que a Terra gira à volta do Sol, em vez de lutar na defesa das suas convicções face à tremenda e geral oposição, ele calmamente sorriu para si mesmo, e disse "Eppur si muove", "e contudo, move-se." Optou por encolher os ombros e avançar para novas descobertas, permitindo ao mundo atingi-lo e dar-lhe razão, muitos anos mais tarde. A minha palavra de confiança para o autor desta obra reside assim nesta certeza: uma ideia de valor irá certamente passar o teste do tempo, e o reconhecimento não tem que ser imediato para poder ser genuíno.

Desenhos

"O Imenschurável" contém uma variada mostra de desenhos, que criam a quinta Téssera. … para mim uma tarefa muito exigente, a de comentar a arte visual através da palavra escrita ou falada, usando um meio de comunicação artístico para descrever um outro. As palavras não são minhas, mas de Elvis Costello, que um dia disse "Writing about music is like dancing about architecture." (Escrever sobre a música é o mesmo que dançar sobre arquitectura). Apesar disto, estes desenhos fornecem-nos uma visão valiosa sobre os momentos que capturam, e a perspectiva através da qual foram retidos.
Os desenhos da Téssera 5 são talvez o aspecto mais imediatista desta publicação para o leitor. Por nos fornecerem uma janela para a visão e a mente do autor naquele momento do tempo, eles dão-nos uma chave para muitos dos temas em questão. Uma qualidade impressionante é a utilização de linhas verticais muito pouco espaçadas, que dissecam as imagens e lhes conferem um aspecto semelhante aos pixels num ecran.
Mais uma vez, Jorge Taxa decompõe a sua experiência em partes que podem ser descritas em detalhe, e depois devolvidas ao geral, com uma sensação de complexidade. Não é tarefa do crítico a de apadrinhar a produção cultural, meramente a de fornecer opiniões, mas não resisto a pedir ao autor que considere produzir uma série de desenhos isoladamente, para que possamos investigar este promissor aspecto com mais detalhe.
A maior parte dos desenhos são a preto e branco, sérios, e apresentando variados graus de detalhe. A excepção, contudo, é o desenho mais marcante. "Perspectiva Có(s)mica do Empório" surge como uma ocupada cacofonia de ideias, um retrato que nos lembra Escher de uma ascensão algo fársica em direcção ao dólar… um retrato cómico dos falhanços da sociedade e dos nossos desejos de trepar os postes para atingir o topo da nossa obsessão pelo dinheiro.

Conclusão

De um modo geral, esta é uma obra forte nas suas convicções e lírica nos seus argumentos. Nunca é fácil convencer as pessoas a abraçar ideias novas, mas desejo ao Jorge e ao seu trabalho todo o sucesso e a maior aceitação.

Thomas Jayes
Tradução: Marta Jayes

17 de Abril, 2010

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