segunda-feira, 21 de novembro de 2011

2ª versão do 2º e último Acto - NATAL NO SERVIÇO

(para os actores)

Personagens:
Dr. Otto Rank –
Dr. Sigmund / John Ballantyne –
Drª Melanie Klein –
John Nash –
Lílite –
Renata –
Dr. Alexander Brulov –

Cenário:
O mesmo de Lílite e o Seu Destino – o átrio com o pórtico a dizer "Serviço de Psiquiatria Imaginarium", o corredor, as salas – o Serviço.

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(para o público)

(aparece na tela retroprojectado o seguinte título)

2º Acto, 2ª Versão
– NATAL NO SERVIÇO –

(volta a aparecer na tela retroprojectado o cenário contido)

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Cena 1

(estão o Dr. Otto Rank e o Dr. Sigmund, Dr. EstranhoAmor, sentados cada um em sua cadeira, com ar de zangados, voltados de costas um para o outro, até que fala o Dr. Otto Rank)

Dr. Otto Rank – Dr. Sigmund, veja lá a que ponto chegámos! Mas, sugiro-lhe que nos portemos como duas pessoas decentes e profissionais competentes, e não levemos a sério uma ou outra discussão. Enfim, isso é muito natural no nosso meio...
Dr. Sigmund – Sim, concordo. Afinal, eu ultimamente tenho dado muito pouca atenção ao Acaso, quase não acredito nas coincidências... O Dr. Rank sabe, os lapsus perturbam-me..
Dr. Otto Rank – Mas não acreditar que há coincidências – isto é, não acreditar no Acaso –, pode ser um início, que pode também ser um indício, de um pensamento psicótico...
Dr. Sigmund – Tem razão, Dr. Rank. Ando perturbado. Tendo a familiarizar, a sexualizar tudo... A atribuir à falta – ou, como dizem os franceses, à manque – e às coincidências, e aos lapsus, um sentido, demasiado pesado...
Dr. Otto Rank – Hoje, é mais comum-mente reconhecido, na disciplina psiquiátrica, que o delírio não tem origem, necessariamente, na triangulação edipiana "eu-papá-mamã", mas é mais propriamente histórico-mundial, feito de mitos e heróis.
Dr. Sigmund – A palavra agora é "agenciamentos". Não é?
Dr. Otto Rank – Isso mesmo, agenciamentos do espaço exterior. Sabe-se também que não há um recalcamento filial com "desejo de morte" associado, em relação ao pai, mas que, a ostensividade inicial, é a paterna em relação ao filho. E que o desejo é positivo, e não corresponde a "uma carência"...
Dr. Sigmund – Peço-lhe mil escusas, pela minha inactualidade.
Dr. Otto Rank – Mas, veja! O Dr. Lacan propôs um retorno às suas teorias, meu caro Dr. Sigmund. Ele está ali, na sala seis, com a utente Carole: que sente, antes de mais nada, "repulsa"...
Dr. Sigmund – Vejo que desta sala do Serviço de Psiquiatria Imaginarium dá para nos apercebermos do que se passa no interior de cada um dos consultórios que o constituem. É engraçado! Só vemos as cabeças!
Dr. Otto Rank – Sim, esta arquitectura do Serviço Imaginarium é de um arquitecto holandês da vanguarda, em que as paredes são todas de vidro e insonorizantes para o exterior. Tudo se passa como se fosse uma arquitectura transparente, cristalina – como aquele político português que escreveu O Partido Com Paredes de Vidro.
Dr. Sigmund – Mas aqui, no Serviço Imaginarium, vejo que tem doentes muito famosos. Vejo ali Vincent Van Gogh.
Dr. Otto Rank – Sim, acompanha-o o Dr. Gachet. Não são só utentes famosos, todo o pessoal médico é constituído por altas eminências da psiquiatria. Quanto aos utentes, encontra-os – o Dr. Sigmund – não só reais, mas irreais (pois a nossa ciência permitiu encarná-los), saídos de filmes e de obras da literatura.
Dr. Sigmund – Caracteres, sejam quais forem: pessoas reais, personagens ficcionais...
Dr. Otto Rank – Sim. Por exemplo: ali, nas salas laterais, encontra também o utente Norman Bates, fatalmente determinado pelo carácter da sua mãe possessiva, acompanhado pelo sexólogo Dr. Alfred Kinsey. E o utente Truman, supostamente saído de um show montado por um arquitecto, acompanhado pelo reflexologista Dr. Ivan Pavlov, que está a estudar os seus "reflexos condicionados".
Dr. Sigmund – Sim, vejo ali, na sala oito, também, o meu colega da "psicologia analítica", o Dr. Carl Jung e, mais acima, na sala quatro, o colega da "psicologia individual", o Dr. Alfred Adler. Quem é o seu paciente?
Dr. Otto Rank – É João de Deus, vindo da "Casa Amarela". Diagnosticado com "esquizofrenia paranóide", temos ali, acima de Adler, na sala dois, o utente Trelkovsky. É um inquilino que julga que os vizinhos estão a coludir para o seu suicídio, transformando-o na anterior locatária.
Dr. Sigmund – E nestas salas à direita?
Dr. Otto Rank – Aqui, na sala nove, encontra o poeta-dramaturgo Antonin Artaud, acompanhado pelo Dr. Ferdière. Ferdière também é o médico da conceituada Unica Zurn, mas ela está a ser acompanhada actualmente, nesta sala sete, pelo behaviorista John Watson, que tenta basear-se somente nos comportamentos da utente.
Dr. Sigmund – E nesta? A sala cinco?...
Dr. Otto Rank – Aqui, em cima, na sala cinco, encontra o utente poeta Ângelo de Lima com o Dr. Miguel Bombarda, que achou, na sua fisionomia, enorme filão psiquiátrico...
Dr. Sigmund – E quanto àqueles, ali, à esquerda, à espera, levantados?
Dr. Otto Rank – São R.P. McMurphy, que diz estar "num Ninho de Cucos...". Camille Claudel, escultora promessa de Rodin e irmã do fluente Paul Claudel. E, por fim, Bartleby, saído da pena de Herman Melville, que antecipa todas as frases com a palavra "preferia".
Dr. Sigmund – Restam-nos os doentes da sala de espera. Quem são?
Dr. Otto Rank – Temos, da esquerda para a direita, sentados, o utente James Cole, que diz ter "doze macacos". A utente Ida Dalser, que diz ser a mulher de, e ter um filho de, Benito Mussolini. A utente Zhanna, apaixonada por Bryan Adams. E, por fim, a utente Janet Frame, que tenta ser "um anjo à nossa mesa". Mas, Dr. Sigmund, aproveito e chamo agora o próximo utente a ter consulta. Que diz?
Dr. Sigmund – Claro, força nisso!
Dr. Otto Rank – Chamo à sala quinze o utente John Nash.

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Cena 2

(entra John Nash para a sala quinze. NOTA: John Nash traz uma gravata às riscas)

Dr. Otto Rank – Olá, bom dia, John Nash.
Dr. Sigmund – Olá, bom dia, senhor John Nash.
John Nash – Olá, bom dia. Happy Christmas, como se diz na minha terra!
Dr. Otto Rank – Bom Natal, senhor Nash! Então? Diga-nos lá que tal é que correm as coisas...
Dr. Sigmund – Espere, Dr. Otto. A sua gravata, senhor Nash... Essas riscas...
John Nash – Ora essa! Mas as gravatas às riscas são as minhas favoritas!
Dr. Otto Rank – Que se passa, Dr. Sigmund? As riscas da gravata do senhor Nash perturbam-no?...
Dr. Sigmund – Deixe, Dr. Otto. Essas riscas... Não, deixe lá. Eu controlo-me, prometo. Estejam descansados, não se preocupem comigo. Mas diga, senhor Nash... As coisas correm bem?
John Nash – Correm bem, Dr. A minha matemática está cada vez mais evoluída.
Dr. Sigmund – Ah! O senhor Nash gosta de matemática?
John Nash – Sim, é a minha área. Mas há jogos interessantes e também gosto de jogos. Por exemplo, como considerar como uma pensadora-poetiza e deputada-apresentadora portuguesa já falecida, chamada Natália Correia – que "um mais um é igual a um".
Dr. Sigmund – Eu também gosto bastante de matemática. Sugiro, John Nash – para fazer uma demonstração dos meus conhecimentos e deixá-lo mais à vontade, de modo a explanar-se na conversa –, que eu ponha agora em prática um verdadeiro ilusionismo, ou uma magia, ou uma prestidigitação, ou um truque matemático. Pode ser?
John Nash – Pode, claro, estou curioso. Força nisso!
Dr. Sigmund – Vou solicitar aos espectadores desta peça teatral, cada um à vez, um algarismo.

(o Dr. Sigmund procede em conformidade, solicitando aos espectadores “um algarismo?”)

Primeiro espectador – (de 0 a 9) a.
Segundo espectador – (de 0 a 9) b.
Terceiro espectador – (de 0 a 9) c.
Quarto espectador – (de 1 a 8) d.

(o Dr. Sigmund escreve num papel, para todos verem, "abcd", mostrando ao público. E faz, em seguida, de cabeça, a conta abcd – a)

Dr. Sigmund – Então, eu digo – não sem que essas riscas me desconcentrem um bocado... – que a,bcdbcdbcdbcdbcd... = abcd – a /999

(confirma-se na calculadora do computador retroprojectada)

(o Dr. Sigmund faz de cabeça a conta abcd – ab)

Dr. Sigmund – Agora, digo – também não sem a desconcentração proveniente das riscas... – que ab,cdcdcdcdcd... = abcd – ab /99

(confirma-se na calculadora do computador retroprojectada)

John Nash – Parabéns, Dr. Sigmund. Sinto-me, assim, mais confortável, no meio de gente tão racionalista – dado que a matemática também é uma espécie de lógica...
Dr. Otto Rank – Então, diga-nos, John Nash. Por falar em "lógica"... Como vai aquela história da "perseguição dos Serviços Secretos"?
John Nash – Ah!... Quanto a isso, esteja descansado, Doutor. Fiz o meu insight! Compreendo agora que padeço naturalmente de um desiquílibrio, a nível de lítio e serotonina, no cérebro, e que, se não for suprido artificialmente com um neuroléptico, faz-me descompensar e delirar. É a "boa nova" natalícia que tenho para transmitir ao Doutor.
Dr. Otto Rank – Isso parece-me um progresso, uma evolução. Parabéns, Nash! E quanto à saúde física? A idade apoquenta?
John Nash – Um achaque ou outro, mas nada de especial. Vai tudo bem, obrigado.
Dr. Otto Rank – Já tomou o injectável?
John Nash – Já, Doutor. Encontrei lá a minha amiga Lílite...
Dr. Sigmund – E quanto aos sintomas secundários: quero dizer, da medicação...
John Nash – Tudo bem, Doutor. Menos tremores e menos acatísia.
Dr. Otto Rank – Então, vejo que só nos resta desejar-lhe um Happy Christmas, e deixá-lo ir à sua vida.
John Nash – Bom Natal, Doutores, e boas Entradas em 2012! Passai bem!
Dr. Otto Rank – Adeus, Bom Natal! Até à vista!
Dr. Sigmund – Bom Natal, senhor Nash!

(sai John Nash de cena. Ficam, ainda na sala quinze, os doutores Otto e Sigmund. Fala o Dr. Otto Rank)

Dr. Otto Rank – Olhe, Dr. Sigmund. Eu combinei, hoje, pela manhãzinha, com a Drª. Melanie Klein, almoçarmos juntos. E... Está na hora do almoço. Quer juntar-se a nós e almoçar connosco?
Dr. Sigmund – Sim, mas concerteza. Estou com apetite.
Dr. Otto Rank – Então, vamos a isso.

(saem os doutores Otto e Sigmund da sala quinze. Entretanto, Lílite, que havia entrado em cena, dirige-se de encontro a eles. Encontram-se os três à frente da tela, a meio do caminho. Fala o Dr. Otto)

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Cena 3

Dr. Otto Rank – Olá, Lílite! Ainda por aqui? Queríamos pedir-lhe desculpa por, há pouco, termos sido um tanto incompreensivos consigo...
Lílite – Não faz mal, Doutor. Todos temos os nossos dias. Sei que os médicos não são feitos de pedra, nem de ferro, nem de plástico, nem de nada inorgânico... São pessoas como nós!
Dr. Sigmund – Obrigado pela atenção, Lílite, no que toca, principalmente, à minha parte...
Dr. Otto Rank – Mas com proposições psicológicas tão interessantes e tão espirituosas, só posso convidar também a nossa paciente, Lílite, a juntar-se a nós e almoçar connosco, aqui, na Cantina do Serviço Imaginarium. Que diz, Lílite?
Lílite – Por mim, pode ser. Tudo bem!
Dr. Otto Rank – Então, assim seja. Vamos ao almoço!

(passam os três, por assim dizer, a "caminhar parados", como se estivessem a pisar uvas, frente à tela, a meio da boca de cena. Duas pessoas vestidas de funcionários do Serviço trazem, para esse mesmo centro do palco, para próximo dos três, uma mesa, coberta por uma toalha, com víveres natalícios e talheres sobrepostos – entre os quais, garfos. Os três vão buscar as três cadeiras da sala quinze e instalam-nas em redor da mesa, sentando-se nelas. Fala o Dr. Otto Rank)

Dr. Otto Rank – Então, Dr. Sigmund e Lílite. Que acham desta pantagruelice? Ao dispor da nossa... gulodice?!
Dr. Sigmund – Está muito bem! Parabéns ao Serviço Imaginarium! Eu gosto do Bolo-Rei!
Lílite – Eu prefiro estes "mexidos"!
Dr. Otto Rank – Eu vou pelo "arroz-doce"!... Eu consideria que, os parabéns, o Dr. Sigmund deve dá-los, por esta data, não ao Serviço Imaginarium, mas a Jesus – Emanuel – e a todos os que nasceram pelo Natal. Mas, vejam: a Drª. Melanie Klein está a chegar...

(irrompe em cena a Drª. Melanie Klein, que entretanto pega numa cadeira, das da sala de espera, e junta-se à mesa)

Drª. Melanie Klein – Olá, boa tarde a todos. Peço desculpa pelo atraso...
Dr. Otto Rank – Que não foi quase nenhum! Mas... Sugiro que se junte a nós. Sente-se, Drª. Melanie. Bom apetite!

(a Drª. Melanie senta-se e todos começam a comer. Enquanto comem, fala Lílite)

Lílite – Vou contar-vos uma história engraçada. Há cerca de semana e meia atrás, o Juvenal, o namorado da minha amiga Margarida, ofereceu-lhe – por ocasião do seu aniversário – um gatito de estimação. Mas "a peste", a primeira marca que deixou, foi uma cicatriz que a Margarida agora tem, na parte superior do antebraço – umas linhas paralelas... Muito paralelas e longilíneas...
Drª. Melanie Klein – Eu posso tentar exemplificar. Será assim, a cicatriz?...

(a Drª. Melanie Klein raspa, com o garfo, a toalha da mesa, num sentido longilíneo, para exemplificar)

Dr. Sigmund – (bruscamente) Deve haver uma reserva de toalhas inesgotável neste Serviço!

(pausa breve)

Drª. Melanie Klein – Dr. Sigmund! O que é que lhe deu?...
Dr. Otto Rank – Eu sei... Devem ser as riscas... Que o perturbam... Há pouco, pensei que fosse excesso de "transferência". Mas não – agora, entendo: são as riscas...
Dr. Sigmund – Sim, são as riscas... Perturbam-me... Essas riscas... Assustam-me!... Não tem noção da clave?... Vejam... Digo melhor: ouçam!... é perfeitamente atonal!... Já nem sei quem sou... Antes de nos sentarmos, descobri, no meu casaco, esta cigarreira – vejam – com as iniciais "J.B.", e não sei o que querem dizer...

(é então que, ainda não tinha acabado o Dr. Sigmund de dizer estas palavras, irrompe em cena o Dr. Alexander Brulov)

Dr. Alexander Brulov – ...Mas sei eu! Eu sei o que querem dizer as iniciais J.B...
Drª. Melanie Klein – Dr. Alexander Brulov! Que surpresa! Meus senhores: apresento-vos o renomado psiquiatra Dr. Alexander Brulov. Quem diria que você agora ia aparecer... do nada! E, afinal, o que é que querem dizer essas iniciais?
Dr. Alexander Brulov – Querem dizer John Ballantyne. É essa a verdadeira identidade do suposto Dr. Sigmund, com quem pensam estar a falar.
Dr. Otto Rank – Bem me queria parecer que havia aqui algo de estranho...
Dr. Alexander Brulov – Tudo se explica. Já venho, desde há algum tempo, a seguir os seus passos, caro John Ballantyne. Não se preocupe: o senhor não matou o verdadeiro Dr. Sigmund Freud. Esse está vivo e a sua saúde recomenda-se.
John Ballantyne – Vivo? Freud está vivo?... Mas isso é...
Dr. Alexander Brulov – Tenha calma. Ele e os seus amigos, antes de procederem ao seu escape dos boches nazis e traspassarem a fronteira, propagaram o boato que Freud já tinha sido executado para melhor esconder os seus planos de fuga.
John Ballantyne – Fuga. Ah!... Mas ele fugiu?...
Dr. Alexander Brulov – A execução foi um boato. Você, meu amigo, quando ouviu esse boato, – admirador autodidacta do pioneiro da Psicanálise – acreditou que tinha sido você próprio a assassinar Freud, em visível descompensação e em delírio histórico-mundial, e veio aqui parar ao Serviço Imaginarium, em presumível substituição dele...
John Ballantyne – Eu, Dr.?... Mas porquê? Com que fito?
Dr. Alexander Brulov – Para dissimular um crime que acreditava ter cometido. Mas esteja descansado, amigo: não o cometeu de todo.
Drª. Melanie Klein – No entanto, caro John Ballantine, isso não quer dizer que não esteja a precisar de medicação e de passar uns dias connosco no Internamento…
John Ballantyne – Sim, sim. Eu tinha deixado de tomar o medicamento, agora me lembro. Entrei em euforia e deu-me uma total amnésia: eu próprio acreditei ser Freud!
Dr. Alexander Brulov – E assim confundiu o suposto assassino que se julgava com o suposto assassinado: passou a ser ele...
Drª. Melanie Klein – E concorda que deve descansar uns dias aqui connosco?
John Ballantyne – Sim, não há problema. Sobretudo, fico contente por não ser nenhum criminoso e por me libertar um pouco desta situação angustiante...
Lílite – Mas, Dr. Brulov, o que é que fazia arrepios a Ballantyne: o garfo ou o atrito da toalha?
Dr. Alexander Brulov – Nem o garfo, nem o atrito, Lílite. Mas as marcas do garfo na toalha, as riscas paralelas e compridas. John Ballantyne era, antes de demonstrar sintomatologia psicótica e passar à fase nosográfica, estudante da Escola de Psicologia, nunca tendo chegado a terminar o curso...
Dr. Otto Rank – Por isso, demonstrava dotes científicos. E é muito parecido com Freud. Nem dei pela diferença...
Dr. Alexander Brulov – Sim, tem uma semelhança física enorme e dispõe de dotes científicos lógicos-matemáticos. Além disso, chegaram a dar-lhe ideias de vir a ser compositor sinfónico, por pueril e adolescente formação musical; mas ficou com uma enorme frustração por nunca ter vindo a sê-lo...
Lílite – Por isso, as linhas paralelas...
Dr. Alexander Brulov – Sim. Isso mesmo, Lílite! As linhas paralelas correspondiam à pauta. Uma pauta metia-lhe horror e impregnava-o de uma sensação de dívida, conjugação de um trauma. O paroxismo disto levou-o à amnésia total e subsequente despersonalização alienadora.
John Ballantyne – Agora, que começo a recordar-me, como John Ballantyne que sou, gostava de agradecer-vos a todos, meus amigos – sem esquecer o contributo da inestimável Lílite –. Lembro-me – agora, que é Natal – de um cântico da minha infância...

(entretanto, irrompe Renata em cena e diz)

Renata – Olá, Lílite, despachei-me mais cedo e vim buscar-te. Olá a todos, sou a Renata! Está a falar de cânticos, o senhor psiquiatra? Também posso cantar?
John Ballantyne – Bem, eu não sou psiquiatra...
Renata – Pensei que fosse... Está vestido com uma bata!
Drª. Melanie Klein – Deixe lá, Renata, não complique muito. Foi só uma confusão momentânea: tudo está resolvido. E, agora – que tudo está bem quando acaba bem –, sugiro então que você, John Ballantyne, nos dê o mote e cante o seu cântico de Natal, de modo a finalizarmos este caso com todo o agrado e o agrado de todos.

(aparece, retroprojectada do computador, a seguinte letra da canção "Os Pais Natais", do album "Os Amigos de Gaspar", de Sérgio Godinho)

"Já que é já Natal, se um Pai Natal houver –
Mais que dois ou três, então, à vez –
Podemos ser, sei lá –
O Pai Natal sempre de alguém –
De quem não tem direito ao seu presente
Resplandecente..."

John Ballantyne – (canta) Já que é já Natal, se um Pai Natal houver – mais que dois ou três, então, à vez – podemos ser, sei lá – o Pai Natal sempre de alguém – de quem não tem direito ao seu presente – resplandecente...

Todos – (cantam) Já que é já Natal, se um Pai Natal houver – mais que dois ou três, então, à vez – podemos ser, sei lá – o Pai Natal sempre de alguém – de quem não tem direito ao seu presente – resplandecente...

FIM

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